quarta-feira, 20 de maio de 2020

AC/DC estava certo. We are on the highway to hell...

Os generais que despacham no Palácio do Planalto têm de convencer Jair Bolsonaro a manter no ministério da Saúde o seu colega de farda Eduardo Pazuello, secretário-executivo exercendo a interinidade, dado o pedido de demissão de Nelson Teich.
Qual é o temor? Que os mortos venham a assombrar a memória das Forças Armadas?
Tarde demais. Já era!

O governo já foi colonizado pelos militares, pelo Exército em particular.
Há mais uniformizados da ativa na gestão Bolsonaro do que em qualquer fase dos governos da ditadura.
Os senhores fardados têm como herança o futuro próximo do país. Não será bom.
Depois da redemocratização, foram necessárias duas décadas para que limpassem o uniforme das nódoas de um regime de força.
Ao fim do bolsonarismo, dure quanto durar, terão de passar as duas décadas seguintes tentando reescrever a história. Não será fácil.

Não contarão, desta feita, nem mesmo com a fantasia de que combatiam a ameaça comunista e a corrupção.
Comunismo não há mais. E o combate à corrupção acaba de ganhar um símbolo com a nomeação de um preposto de Valdemar Costa Neto, presidiário do mensalão, para um cargo importante no Ministério da Educação. Mas volto ao leito.

Vejam lá. Pazuello vai assinar um protocolo para o uso da cloroquina já na fase inicial da doença*. Por quê? Porque Bolsonaro quer.
É um caso de obediência indevida. Inexistem evidências técnicas apontando a eficiência da droga no combate ao vírus.
Quando confrontados com os dados, alguns médicos ainda tocados pela mística bolsonarista falam em "estudos observacionais" que apontariam uma possível eficácia.

É o que faz, por exemplo, Nise Yamaguchi.
Então ficamos assim: sem que feiticeiros consigam explicar, do ponto de vista bioquímico, por que a cloroquina seria eficaz, opta-se pelos estudos observacionais.
Ocorre que os há em muito maior número a evidenciar a ineficácia.
Se cloroquina fosse chá de erva-doce, vá lá. Bem não faria mas seria inócuo para a Saúde.

Mas por que a fixação de Bolsonaro?
Pretende brandir o protocolo para anunciar que as pessoas já podem se expor à vontade por aí porque, afinal, existiria um remédio.
E os militares estão coonestando a falácia.
Então que fiquem com a pasta de vez. Pouco poderão fazer de mais grave.

Pazuello participou da 73ª Assembleia Geral da Saúde, da ONU, uma videoconferência global. Na sua vez de falar, afirmou:
"O Governo Federal conduz avaliações diárias das situações de risco em cada localidade, reforçando estados e municípios com os recursos necessários, financeiros, materiais e pessoal".
Disse mais:
"Além disso, o Ministério da Saúde também está ajustando seus protocolos e diretrizes com base em evidências científicas e nas experiências exitosas nacionais e internacionais dos lugares mais afetados."

Era a voz do oficialismo contra os fatos.
O governo federal enviou apenas 11% dos kits de UTI prometidos aos Estados. Não só.
Entregou até esta segunda-feira apenas 823 dos 14.100 respiradores prometidos em abril: espantosos 6%.
E as experiências internacionais citadas pelo general não o autorizariam a assinar o escandaloso protocolo da cloroquina.*

De resto, atentem para este raciocínio: Pazuelllo não é médico — logo, sempre pode alegar ignorância específica —, mas consta que tem experiência em logística, importante em momentos assim.
Qualquer médico que aceite o cargo, subordinando-se às exigências de Bolsonaro, será alguém sem a experiência que tem o militar, que pode ser útil à Saúde, e que, para arremate dos males, aceita fraudar o conhecimento científico para fazer as vontades de quem o nomeia.

Nessas circunstâncias, melhor um general que nada entende de medicina, com cara e porte de interventor do Estado Novo, do que um vigarista que ostente um diploma e aceite rasgá-lo para fazer as vontades do chefe.


Reinaldo Azevedo
Colunista do UOL
19/05/2020 08h49


Este comentário foi lido pelo próprio Reinaldo Azevedo na rádio Band News FM, onde também mantém coluna.
Ao final do texto ele acrescenta (apenas no programa da rádio):

Afinal entre os candidatos há até um dublê de médico e Youtuber chamado Ítalo Marsili, que sustenta que as mulheres pioram a democracia, que acha inconveniente que a igreja católica venha a ter um dia um Papa ‘negão’, como ele diz, e que afirma ter curado um pedófilo administrando-lhe, por assim dizer, prostitutas com cara de criança.
O rapaz deve ter esquecido que o então deputado Jair Bolsonaro apresentou em 2013 um projeto de lei para a castração química de pedófilos e estupradores.
Nada que o valente não possa ajustar para ter o cargo, não é mesmo?”


* [GRIFO MEU] Após a publicação do texto na coluna do autor e da sua leitura na rádio o protocolo foi apresentado mas, estranhamente, não trazia a assinatura de quem quer que seja.

Não há responsável técnico. Não há médico, não há ministro.

Trata-se de um protocolo sem assinatura de ninguém.



Na minha opinião esse documento vale tanto quanto um cheque, um ofício ou uma transferência de veículo não assinada. NADA!

Em bom português essa portaria foi escrita em papel de pão.



Lembram da MP966/20? Aquele vergonhoso “excludente de ilicitude” da saúde que na prática livra de punição os responsáveis por erros na condução das medidas de combate à pandemia? Pois é, está na pauta de hoje para julgamento pelo STF.

Não podiam esperar, então para não correr riscos, preferiram não assinar e garantir que quem adote o protocolo assuma o risco.

E ainda saíram com a desculpa mais esfarrapada que eu já ouvi.

Disseram que como foram muitas as áreas envolvidas nesse protocolo não havia necessidade de assinatura.



No futuro quando forem perguntados dirão “nós não fomos responsáveis. Onde está a assinatura?”

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