“Os generais que despacham no
Palácio do Planalto têm de convencer Jair Bolsonaro a manter no
ministério da Saúde o seu colega de farda Eduardo Pazuello,
secretário-executivo exercendo a interinidade, dado o pedido de
demissão de Nelson Teich.
Qual
é o temor? Que os mortos venham a assombrar a memória das Forças
Armadas?
Tarde
demais. Já era!
O
governo já foi colonizado pelos militares, pelo Exército em
particular.
Há
mais uniformizados da ativa na gestão Bolsonaro do que em qualquer
fase dos governos da ditadura.
Os
senhores fardados têm como herança o futuro próximo do país. Não
será bom.
Depois
da redemocratização, foram necessárias duas décadas para que
limpassem o uniforme das nódoas de um regime de força.
Ao
fim do bolsonarismo, dure quanto durar, terão de passar as duas
décadas seguintes tentando reescrever a história. Não será fácil.
Não
contarão, desta feita, nem mesmo com a fantasia de que combatiam a
ameaça comunista e a corrupção.
Comunismo
não há mais. E o combate à corrupção acaba de ganhar um símbolo
com a nomeação de um preposto de Valdemar Costa Neto, presidiário
do mensalão, para um cargo importante no Ministério da Educação.
Mas volto ao leito.
Vejam
lá. Pazuello vai assinar um protocolo para o uso da cloroquina já
na fase inicial da doença*. Por quê? Porque Bolsonaro quer.
É
um caso de obediência indevida. Inexistem evidências técnicas
apontando a eficiência da droga no combate ao vírus.
Quando
confrontados com os dados, alguns médicos ainda tocados pela mística
bolsonarista falam em "estudos observacionais" que
apontariam uma possível eficácia.
É
o que faz, por exemplo, Nise Yamaguchi.
Então
ficamos assim: sem que feiticeiros consigam explicar, do ponto de
vista bioquímico, por que a cloroquina seria eficaz, opta-se pelos
estudos observacionais.
Ocorre
que os há em muito maior número a evidenciar a ineficácia.
Se
cloroquina fosse chá de erva-doce, vá lá. Bem não faria mas seria
inócuo para a Saúde.
Mas
por que a fixação de Bolsonaro?
Pretende
brandir o protocolo para anunciar que as pessoas já podem se expor à
vontade por aí porque, afinal, existiria um remédio.
E
os militares estão coonestando a falácia.
Então
que fiquem com a pasta de vez. Pouco poderão fazer de mais grave.
Pazuello
participou da 73ª Assembleia Geral da Saúde, da ONU, uma
videoconferência global. Na sua vez de falar, afirmou:
"O
Governo Federal conduz avaliações diárias das situações de risco
em cada localidade, reforçando estados e municípios com os recursos
necessários, financeiros, materiais e pessoal".
Disse
mais:
"Além
disso, o Ministério da Saúde também está ajustando seus
protocolos e diretrizes com base em evidências científicas e nas
experiências exitosas nacionais e internacionais dos lugares mais
afetados."
Era
a voz do oficialismo contra os fatos.
O
governo federal enviou apenas 11% dos kits de UTI prometidos aos
Estados. Não só.
Entregou
até esta segunda-feira apenas 823 dos 14.100 respiradores prometidos
em abril: espantosos 6%.
E
as experiências internacionais citadas pelo general não o
autorizariam a assinar o escandaloso protocolo da cloroquina.*
De
resto, atentem para este raciocínio: Pazuelllo não é médico —
logo, sempre pode alegar ignorância específica —, mas consta que
tem experiência em logística, importante em momentos assim.
Qualquer
médico que aceite o cargo, subordinando-se às exigências de
Bolsonaro, será alguém sem a experiência que tem o militar, que
pode ser útil à Saúde, e que, para arremate dos males, aceita
fraudar o conhecimento científico para fazer as vontades de quem o
nomeia.
Nessas
circunstâncias, melhor um general que nada entende de medicina, com
cara e porte de interventor do Estado Novo, do que um vigarista que
ostente um diploma e aceite rasgá-lo para fazer as vontades do
chefe.
Reinaldo
Azevedo
Colunista
do UOL
19/05/2020
08h49
Este
comentário foi lido pelo próprio Reinaldo Azevedo na rádio Band
News FM, onde também mantém coluna.
Ao
final do texto ele acrescenta (apenas no programa da rádio):
“Afinal
entre os candidatos há até um dublê de médico e Youtuber chamado
Ítalo Marsili, que sustenta que as mulheres pioram a democracia, que
acha inconveniente que a igreja católica venha a ter um dia um Papa
‘negão’, como ele diz, e que afirma ter curado um pedófilo
administrando-lhe, por assim dizer, prostitutas com cara de criança.
O
rapaz deve ter esquecido que o então deputado Jair Bolsonaro
apresentou em 2013 um projeto de lei para a castração química de
pedófilos e estupradores.
Nada
que o valente não possa ajustar para ter o cargo, não é mesmo?”
*
[GRIFO MEU] Após a publicação do texto na coluna do autor e da sua leitura na
rádio o protocolo foi apresentado mas, estranhamente, não trazia a
assinatura de quem quer que seja.
Não
há responsável técnico. Não há médico, não há ministro.
Trata-se
de um protocolo sem assinatura de ninguém.
Na
minha opinião esse documento vale tanto quanto um cheque, um ofício
ou uma transferência de veículo não assinada. NADA!
Em
bom português essa portaria foi escrita em papel de pão.
Lembram
da MP966/20? Aquele vergonhoso “excludente de ilicitude” da saúde
que na prática livra de punição os responsáveis por erros na
condução das medidas de combate à pandemia? Pois é, está na
pauta de hoje para julgamento pelo STF.
Não
podiam esperar, então para não correr riscos, preferiram não
assinar e garantir que quem adote o protocolo assuma o risco.
E
ainda saíram com a desculpa mais esfarrapada que eu já ouvi.
Disseram
que como foram muitas as áreas envolvidas nesse protocolo não havia
necessidade de assinatura.
No
futuro quando forem perguntados dirão “nós não fomos
responsáveis. Onde está a assinatura?”